do vigésimo sétimo andar

Perdi a conta aos dias que passaram desde que aqui cheguei.
O ritmo do sol nascente-sol posto apanhei-o rápido, provavelmente por ter saído da cama no sábado de manhã, em Portugal, e ter regressado a um horizontal descanso só na noite de segunda para terça. As viagens foram feitas o máximo possivel de olhos fechados, mas dormir-dormir a sério é mesmo deitada :)

É fácil ouvir que o Japão é um pais de contrastes, do tradicional ao hiper-moderno, do rústico ao super-sofisticado. Ainda não tive oportunidade de sair de Tokyo para confirmar este universo de dualidades fora do ambiente citadino. Aqui encontram-se sublinhadas imensas dicotomias:
Há locais onde o ruído é praticamente insuportável, hiperpovoados de pimpim-nhechehiiii electrónicos misturados com movimento incessante do tráfego automóvel e ferroviário.
Oposto a este zunzum, há parques enormes que servem de oásis para a mente e pulmões. Nos transportes públicos somos convidados a desligar os telefones pois o toque ou a conversa pode perturbar o nosso vizinho. O tom de voz, se qualquer conversa se estabelece, é baixo e contido. (Este silêncio público deve ser uma inspiração para que seja mandatório encontrar em todas as carruagens uma série de japoneses a dormir: sentados, de pé, encostados, pendurados, ... )
Ao longo das ruas ( sim, ao "ar livre" ) encontram-se vários lembretes de que é proibido fumar. Dar uso ao cigarro só nos locais assinalados, equipados com um cinzeiro comunitário. Ah, e nos restaurantes, bares, cafés, ... Aí estão à vontadinha!!

Na generalidade é difícil dar um significado as expressões que aparentam uma total neutralidade e ensimesmamento*. Serenos, focados, calados. Quando é hora de expressar, dentro da sua zona de seguranca, o que vejo parece-me ser um movimento estilo "o salto da tampa". Passam da tranquilidade para a efusão num ápice, inspirando-me sorrisos de como se estive a ver crianças a brincarem.
Ir a uma "taberna" japonesa e querer manter uma conversa tranquila pode ser literalmente impossível. Os empregados berram de uma ponta para a outra, seja porque a comida está pronta, porque entrou alguém, porque uma mesa vai vagar, porque o telefone piscou, porque um prato se entornou, ... E os clientes riem, brindam, falam como se estivessem separados por 500mts de distância. Eu ainda sinto que fui ver um teatro de improviso, animado por certo.

As roupas, os edifícios, a comida, tudo é um palco de contraste.
Um mar de fatos-gravata cinza/azul escuro e, no meio, uma mini saia rosa-choc ou umas calcas amarelas florescentes. Uma carruagem de cabelos aprumados, lisinhos, e um adolescente de cabelo com madeixas verdes desgrenhadas. Vale tudo, sem alarido.
Arranha-céus - na rua ao lado casas de bambu, com trepadeiras varanda acima.
Mac Donald's, Starbucks ou sopa de misô e arroz integral.

*

Sente-se no ar a consciência de que as coisas não estão bem, misturada com um camuflar alienado e mergulhado nas obrigações do quotidiano. É visível a angústia, sobretudo nas jovens mães revoltadas com decisões governamentais que não as ajudam a proteger a família, escamoteando informação e minimizando estratégias de apoio.


Há dois dias conhecemos casualmente um biólogo que, entre diversos desabafos fundamentados em informação que tem sido obrigado a não revelar, contava que se recusa a comer em locais que não conheça directamente os donos e fornecedores; que deixou de comer qualquer peixe de origem nacional, e não passa mais de uma semana por mês no Japão. A maioria dos seus amigos estrangeiros já optaram por regressar aos seus países de origem, grande parte das pessoas que conhece que têm crianças optou por emigrar.
Representa uma classe com opções de escolha, pessoas que tem acesso a informação antes dos filtros públicos. O B. dizia que percebia que o governo não podia facultar a informação de que a água nao se encontra adequada para consumo - sob pena de criar um estado de caos impossível de domar. Assim sendo, finge- se que esta tudo normal - quem sabe e pode compra garrafões de água de marca internacional. Quem não sabe ou não pode...


Em Tokyo já arrancaram os workshops em escolas e centros de voluntários. Em breve seguimos para Sendai e zonas mais afectadas. Quando publicarmos as notícias oficiais, traduzirei e partilharei aqui.

Vejam este filminho. Retrata um pouco o que se sente por cá:




Este artigo foi publicado a partir de um equipamento carinhosamente cedido pela TBstore.

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